sexta-feira, 31 de julho de 2020

PODE UMA ORDEM JUDICIAL LOCAL IMPOR COMANDO A SER CUMPRIDO EM TERRITORIO INTERNACIONAL?

O BLOQUEIO DE CONTAS INTERNACIONAIS EM REDES SOCIAIS DEVEM SE SUJEITAR AOS LIMITES DA TERRITORIALIDADE:

 

De um lado, sabe-se que o princípio da territorialidade é um princípio de Direito que permite estabelecer ou delimitar a área geográfica em que um Estado exercerá a sua soberania. Essa área geográfica é o território, que constitui a base geográfica do poder e dá ensejo à jurisdição.

De outro, tem-se que jurisdição (do latim juris, "direito", e dicere, "dizer") nada mais é que o poder que detém o Estado para aplicar o direito ao caso concreto, com o objetivo de solucionar os conflitos de interesses e, com isso, resguardar a ordem jurídica e a autoridade da lei.

As prerrogativas do exercício da função jurisdicional são conferidas ao Poder Judiciário, conforme o estabelecido pela Constituição Federal, distribuindo-se as competências em razão das matérias e especializações das Cortes de Justiça. O dever de zelar e assegurar o fiel cumprimento da Carta Constitucional, incluindo-se nesse contexto os direitos e garantais fundamentais, que se encontram protegidos pelo manto da imutabilidade, cumpre ao Supremo Tribunal Federal, por meio dos seus 11 ministros.

Cumpre a eles, proteger cada um dos dispositivos insertos na Carta de Regência, evitando que sejam alvo de ataques, de descumprimentos que possam comprometer a ordem jurídica e a paz social.

Nos últimos tempos muito se tem discutido sobre os limites do exercício a liberdade de expressão e o exercício ao direito de livre manifestação.

Direitos constitucionalmente assegurados e protegidos como cláusulas pétreas, a liberdade de expressão e a liberdade de manifestação, devem ser exercidos amplamente, sem qualquer sorte de restrição. Amplitude que só poderia ser sobrestada caso seja suplantada a linha tênue existente entre, o exercício do direito e o desferir de ofensas.

É de se observar que a importância de tais direitos, guarda maior relevância, na medida em que é vedado o anonimato, aspecto esse que de per si, estaria a permitir a aplicação de sanções legalmente previstas a todos aqueles que adentrarem para o terreno de ofensas, ainda que invocando a liberdade de expressão e a liberdade de manifestação.

Expressar opiniões, emitir críticas, manifestar-se de forma escrita, verbal, por meio de vídeo, por meio de áudios e valendo-se das redes sociais, são formas de se exercitar os direitos à liberdade de expressão e de livre manifestação, desde que, aqueles que estão a pronunciar, a falar, não se mantenham ocultos, clandestinos ou disfarçados.

A democracia e o uso das redes sociais em nossa país, me parecem que muito ainda tem por evoluir.

Um dos exemplos disto, reside na questão das Fake News, que estão sendo discutidas no Inquérito n.: 4781, que tem como relator o ministro Alexandre de Moraes do Supremo Tribunal Federal.

Inquérito cuja instauração se deu por meio de Portaria GP Nº 69, de 14 de março de 2019, do senhor ministro Presidente do Supremo Tribunal Federal, que determinou a realização de medidas investigatórias e de bloqueio de ferramentas utilizadas para divulgação de noticiais falsas, de denunciações caluniosas, ameaças, transgressões com intenção de caluniar, difamar, injuriar e atingirem a honra e a segurança do Supremo Tribunal Federal, de seus integrantes e familiares, indicando a possível existência de uso organizado de ferramentas de informática, notadamente contas em redes sociais, para criar, divulgar e disseminar informações falsas ou aptas a lesar as instituições do Estado de Direito, superando assim os limites da liberdade de expressão.

E assim dentro de possível risco de se efetivar lesão ou ameaça a direito, conforme prescrito no Inciso XXXV do artigo 5º. da Trintenária Carta Constitucional, que o ministro Alexandre de Moraes, entendeu por bem determinar o “bloqueio de contas em redes sociais”, dentre as quais, o Facebook, o Twitter e o Instagram, daqueles que estão sendo investigados no inquérito que está a tramitar no âmbito da Polícia Federal, objetivando sobrestar a propagação de discursos com conteúdo de ódio,   de subversão   da   ordem   e   incentivo   à   quebra   da   normalidade institucional e do Estado Democrático de Direito.

Recentemente, lastreado no fato de que teria se operado o parcial cumprimento da ordem de bloqueio das contas nas redes sociais Twitter e Facebook, no inquérito que apura a publicação de fake news, o ministro Alexandre de Moraes, reiterou os termos da sua determinação sob pena de aplicação da multa diária, para alcançar eventuais contas e os seus conteúdos que possam ser acessados a partir de outros países nas redes sociais em comento.

Segundo os termos da sua nova decisão, o ministro do Supremo Tribunal Federal, em sua decisão asseverou que:

...”As redes sociais Twitter e Facebook continuam permitindo que os perfis sejam acessados através de endereços IP de fora do Brasil, ou seja, permitindo que sejam acessados normalmente a partir de outros países. Isto possibilita que usuários do Brasil utilizem serviços de roteamento de conexão, como VPNs, contornando este tipo de bloqueio e acessando os perfis em território nacional, como se estivessem em outros países.”... (texto no original – grifos e destaques nossos)

Na minha modesta opinião, ampliou o alcance da sua decisão para atingir os parâmetros da extraterritorialidade, sustentando sua Excelência que:

...”No caso da rede social Twitter, o bloqueio dos perfis no Brasil foi efetuado de forma ineficaz. O Twitter continua permitindo que os perfis sejam acessados através de endereços IP do Brasil, desde que o nome do país configurado na conta do usuário seja diferente de “Brasil”, por exemplo, “Estados Unidos”. Por isto, qualquer pessoa pode efetuar uma alteração simples em seu perfil do Twitter e continuar acessando livremente os perfis que deveriam estar bloqueados, conforme apresentado no item 3, demonstrando que o bloqueio foi ineficaz. Portanto, para atender corretamente a ordem judicial, as redes sociais Twitter e Facebook deveriam bloquear o acesso aos perfis através de qualquer endereço IP.”... (texto original – grifos e destaques nossos)

Analisando o alcance da decisão, que está a impor o bloqueio de contas internacionais do Twitter, tenho a impressão que a ordem avançou para um caminho que não poderia adentrar, que não poderia invadir, avizinhando-se de um ato judicial que estaria a impor a “CENSURA”.

Barrar, embargar, sobrestar, impedir o acesso aos perfis através de qualquer IP (Protocolo de Internet), identificados em outros países, não me parece que estaria dentro de parâmetros da competência do Supremo Tribunal Federal, ao menos em se tratando de decisão de cunho monocrático.

Tenho que seria o caso de se avaliar os limites da jurisdição de cada país, e, evidentemente as formas pelas quais, o Facebook e o Twitter (enquanto empresas), deveriam respeitar e obedecer as regras legais de cada nação em relação ao direito à liberdade de expressão e a livre manifestação dos seus usuários, os quais, a tais regras legais também deverão se subordinar.

E com lastro nessa premissa, que a empresa Facebook, entendeu por bem que não vai dar cumprimento a decisão do ministro Alexandre de Moraes do Supremo Tribunal Federal, informando por meio de nota que deverá recorrer da decisão.

Conforme os termos da nota, o Facebook afirma que respeita as normas legais dos países onde atua, porém pondera que no caso do Brasil, a legislação reconhece os limites à sua jurisdição e a legitimidade de outras jurisdições.

Me parece que a empresa está correta em se posicionar no sentido de “não atender aos termos da determinação”, e nem se alegue tratar-se de descumprimento de ordem judicial, mas sim, de exercitar o direito a ampla defesa, que também é constitucionalmente assegurado, de sorte a submeter os termos da aludida decisão a recurso para discutir sobre a legitimidade ou não da Suprema Corte Brasileira, de exarar posicionamento de forma monocrática, para impor ordem de bloqueio global.

O Twitter teria informado por meio de sua assessoria de comunicação que vai acatar os termos da decisão, bloqueando assim as contas que porventura os usuários relacionados no inquérito, tenham em outros países.

Os termos da primeira decisão foram integralmente cumpridos pelo Facebook e pelo Twitter, sendo as contas determinadas bloqueadas nas respectivas redes sociais.

Embora saibamos que nos termos da Carta Constitucional de 1988, a competência do Supremo Tribunal Federal se encontre fixada no artigo 102, Seção II, do Capítulo III, do Título IV, que cuida da Organização de Poderes, nos parece que os embates deverão agora adentrar na fixação dos limites da competência jurisdicional da Suprema Corte de Justiça Brasileira, que de certa forma, com a ordem de bloqueio global de contas nas redes sociais das empresas Facebook e Twitter, estaria a avançar as “fronteiras virtuais”, adentrando em território internacional, sem levar em conta as formas pelas quais, outras nações, disciplinam o direito a liberdade de expressão, o direito à livre manifestação, o direito à privacidade e a censura de conteúdos publicados que não mantenham os seus autores ocultos, e, a forma pela qual poderão ou não ser aplicados os princípios da extraterritorialidade.

Penso que a jurisdição tem o seu limite dentro dos parâmetros da territorialidade, salvo se, houver algum acordo ou tratado internacional que venha a disciplinar assuntos como o caso do bloqueio global de contas em redes sociais.

Se não existir nada neste sentido, a decisão emitida de forma monocrática com esse viés, simplesmente não pode ser considerada válida, pois, quero acreditar que o bloqueio de contas em redes sociais, não podem suplantar os limites da territorialidade e alcanças as existentes em outros países.

 

GILBERTO MARQUES BRUNO

Advogado é sócio fundador de MARQUES BRUNO Advogados Associados (OAB/SP n.: 6.707) – É Tributarista e especialista em Direito Empresarial, Direito Público e Direito Eletrônico – É Bacharel em Direito pela Faculdade de Direito das Faculdades Metropolitanas Unidas – FMU (Turma de 1988) - É pós-graduado em Direito Empresarial (lato senso) e Direito Tributário (estrito senso) pelo Centro de Estudos e Extensão Universitária das Faculdades Metropolitanas Unidas (FMU) 1.ª Turma (1992) - É conselheiro da Associação Comercial de São Paulo - ACSP (2019/2021) – É conselheiro da Associação dos Advogados Trabalhistas de São Paulo – AATSP (2019/2020)

segunda-feira, 27 de julho de 2020

Preservar a intimidade e a vida privada é um dos principais pontos que impõe a necessidade de se proteger os dados pessoais

A INVIOLABILIDADE DA INTIMIDADE, DA VIDA PRIVADA, DA HONRA E DA IMAGEM SOB O PRISMA DA LEI GERAL DE PROTEÇÃO DE DADOS PESSOAIS – LGPDP:

(i) Breve síntese da evolução histórica da proteção da intimidade dos cidadãos no sistema constitucional brasileiro:


Regredindo no estudo do Direito Constitucional brasileiro e sua evolução ao longo do tempo, constata-se que as primeiras referências em relação a inviolabilidade da intimidade, da vida privada, da honra, da imagem das pessoas, tiveram ainda que timidamente, origem na Constituição Política do Império do Brasil, elaborada por um Conselho de Estado e outorgada pelo Imperador D. Pedro I, em 25.03.1824, a chamada Carta de Lei.

O título 8º., que tratava das Disposições Gerais e Garantias dos Direitos Civis e Políticos dos cidadãos brasileiros. A previsão expressa na Lei de Regência do Império, estava disciplinada no cáput do artigo 179, cujo teor era o seguinte:

...”A inviolabilidade dos Direitos Civis, e Politicos dos Cidadãos Brazileiros, que tem por base a liberdade, a segurança individual, e a propriedade, é garantida pela Constituição do Império, pela maneira seguinte:”... (grafia original)

O que hoje, nos termos insertos no inciso X da Carta Constitucional de 1988, guarda a qualidade de cláusula insuscetível de mutabilidade, nas primeiras referencias dos tempos do Império, se interpretado de forma ampla, encontrava-se coberto sob os auspícios da expressão “segurança individual”, daí os contornos embrionários da inviolabilidade da intimidade e da vida privada por exemplo.

Da Carta de Lei de 1824 para a mais que Trintenária Carta de Regência promulgada em 1988, se passaram 164 anos e dessa para promulgação da Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais, que veio ao mundo jurídico para, de certa forma regulamentar o inciso X do artigo 5º. da Constituição Cidadã, transcorreram cerca de 30 anos, um reflexo de quão morosas sãos as posturas dos legisladores brasileiros para disciplinar temas importantes e de relevância para a sociedade e para o desenvolvimento da nação.

(ii) Da evolução tecnológica e a necessidade de se evitar a propagação e/ou utilização de dados pessoais para fins não autorizados:

A evolução tecnológica tem se revelado de grande importância na vida das pessoas, sejam elas físicas ou jurídicas, de direito privado ou de direito público.

Não são poucos os pontos positivos destinados a racionalizar, dinamizar, facilitar uma série de posturas no âmbito da sociedade como um todo. Entretanto, se de um lado existem benefícios que se incorporam ao dia a dia das pessoas, não podemos desprezar que igualmente existem pontos negativos.

O uso indisciplinado da tecnologia, e, consequentemente o seu crescimento, torna possível a realização de uma verdadeira devassa da vida intima das pessoas, o que evidentemente, era insuscetível de causar suspeitas nas primeiras declarações de direitos.

Com o advento da chegada da Internet no Brasil e a constante ampliação no uso da tecnologia, os riscos de violação da intimidade, da privacidade das pessoas, tornaram-se algo preocupante. Da mesma maneira o tráfego de dados e informações, pessoais e/ou coletivas, que deveriam ser preservados em decorrência da confidencialidade, e, que correm riscos de vazamento, de chegar ao conhecimento de terceiros sem autorização dos seus titulares.

(iii) Da necessidade de regulamentação do inciso X do artigo 5º. da Constituição Federal de 1988:

É cediço que a Constituição Federal de 1988, estabelece no seu artigo 5º., o Princípio da Igualdade, ao tratar dos Direitos e Garantias Individuais nos 78 incisos, para assim dispor:

...”Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

Dentre essas cláusulas pétreas, encontra-se o inciso X que trata especificamente da proteção da intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, reza o inciso X que:

...”são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação;”...

Com a evolução da tecnologia e com o crescimento do uso da Internet no Brasil, começaram a surgir questões de relevância, como por exemplo a necessidade de se estabelecer regras para as diferentes relações havidas na rede mundial de computador. 
Um sem número de desdobramentos foram surgindo. Disciplinar o w.w.w. e eventualmente as formas de uso e de tratamento de dados e informações, eram pontos cruciais, necessários à permitir a regulamentação do direito constitucionalmente assegurado de inviolabilidade da intimidade, da vida privada, da honra e da imagem das pessoas.

(iv) Dos marcos regulatórios destinados a regulamentar o inciso X do artigo 5º. da Constituição Federal:

Nesse esteio, veio em primeiro lugar, a Lei nº 12.965, de 23 de abril de 2014, conhecida como o Marco Civil da Internet, revelando-se um passo importante para estabelecer os princípios, garantias e deveres para o uso da Internet no Brasil. Transcorridos 4 anos da sua promulgação, vem a Lei nº 13.709, de 14 de agosto de 2018, para dispor sobre a proteção de dados pessoais e alterar o Marco Civil da Internet.

Face a complexidade e a necessidade de adaptação as novas regras insculpidas na chamada Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais ou popularmente chamada de LGPD, seu termo inicial de vigência, a chamada vacatio legis (que significa o lapso de tempo transcorrido entre a publicação da lei e data de início da sua vigência), restou fixada para o dia 16 de agosto de 2020, 2 anos depois da sua publicação.

Todavia, com o advento da crise sanitária e pandemia do Corona Vírus (Covid-19), o poder executivo entendeu por bem sobrestar o início de vigência da LGPD, através da Medida Provisória n° 959, de 29 de abril de 2020 (que estabeleceu a operacionalização do pagamento do Benefício emergencial de preservação do emprego e da renda e do benefício emergencial mensal), e, posteriormente convertida na Lei n° 14.010, de 10 de junho de 2020, fixando o termo inicial para o dia 1º. de agosto de 2021.

(v) Os objetivos da Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais:

Objetivando tutelar as situações exclusivamente ligadas a operações de tratamento de dados, como já mencionado acima, a LGPD, de certa forma está a regulamentar o disposto no inciso X do artigo 5º. Carta Constitucional de 1988.

Para tanto em seu artigo 5º. define vários aspectos, dentre eles, um dos mais relevantes, que é a forma pela qual os dados deverão ser objeto de tratamento pelos entes que deles se utilizarem por algum motivo e/ou finalidade. Dispõe o inciso X que:

...”X – tratamento (é toda): toda operação realizada com dados pessoais, como as que se referem a coleta, produção, recepção, classificação, utilização, acesso, reprodução, transmissão, distribuição, processamento, arquivamento, armazenamento, eliminação, avaliação ou controle da informação, modificação, comunicação, transferência, difusão ou extração;”... (texto original – grifos e destaques nossos)

Todos os atos praticados por pessoas físicas e/ou jurídicas que se encontrem enquadrados em uma das hipóteses do disposto no inciso X do artigo 5º., serão objeto de regulação pela nova lei.

O que vale dizer, o objetivo básico da LGPD é regulamentar o tratamento de dados pessoais dos indivíduos garantindo direitos fundamentais relacionados à proteção da liberdade, privacidade e intimidade das pessoas e permitindo aos titulares mais transparência e controle sobre a coleta e utilização de seus dados. Saliente-se que a lei estende a sua aplicabilidade aos entes públicos e privados, offline ou online, regulando hipóteses de danos individuais ou coletivos, patrimoniais ou morais.

(vi) Da questão da territorialidade:

Sob o ponto de vista da territorialidade, a Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais, regulará toda e qualquer operação de tratamento realizada por pessoa natural ou pessoa jurídica (seja de direito público ou privado), independentemente do meio pelo qual, se deu a coleta, ou de onde está sua sede ou do país no qual se encontrem os dados, desde que: a) a operação de tratamento de dados seja realizada no Brasil; b) o tratamento tenha por objetivo a oferta ou fornecimento de bens ou serviços ou o tratamento de dados de indivíduos localizados no Brasil; c) os dados pessoais objeto tenham sido coletados no território nacional, isto é, quando o titular dos dados aqui se encontre no momento da coleta.

Nesse particular, a lei brasileira segue as premissas norteadoras existentes no Regulamento Geral sobre a Proteção de Dados (RGPD) (UE), estendendo a aplicabilidade territorial.

Apenas a guisa de ilustração, frise-se que o conhecido RGPD da União Europeia, é o regramento de direito sobre privacidade e proteção de dados pessoais, aplicável a todos os indivíduos no âmbito territorial da União Europeia e no Espaço Econômico Europeu. Esse normativo, regulamenta também a exportação de dados pessoais para fora da UE e EEE. O RGPD tem como objetivo dar aos cidadãos e residentes formas de controlar os seus dados pessoais e unificar o quadro regulamentar europeu.

De certa forma, esse regramento serviu de inspiração para que fosse promulgada a Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais aqui em nosso país.

(vii) Dos aspectos mais relevantes que devem ser observados na LGPDP:

É de conhecimento público, que cada vez mais, as empresas fazem uso de dados captados em diferentes interações, o que de certa forma, têm mostrado um visível crescimento nos níveis de preocupação de como as informações coletadas dos consumidores são utilizadas.

Na minha opinião, os aspectos de maior relevância existentes na Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais, e que precisam ser observados na questão de tratamento, da utilização, da manipulação e da proteção dos dados pessoais são os seguintes:

a. Consentimento para a coleta de dados pessoais:

A coleta de qualquer espécie de dado pessoal, só poderá ocorrer com o consentimento do titular do dado. O que vale dizer, os dados só poderão ser utilizados com a existência de uma autorização expressa que permita o uso dos dados. A regra é aplicada para qualquer empresa ou instituição pública, que tenha a pretensão de coletar dados pessoas aqui no Brasil. Inserem-se nesse contexto, tanto as organizações com sede no país, quanto as que se encontrem no exterior. Tomem-se como exemplo, corporações como a Microsoft, o Google, ou Facebook e outros.

Também se revela necessária que na autorização, conste permissão para o compartilhamento de dados para com outras entidades. Tome-se como exemplo, uma empresa que pretenda partilhar as informações pessoais dos seus clientes com outra organização. Será necessário que o titular daqueles dados tenha ciência dessa pretensão de forma clara, de maneira que possa escolher livremente se deseja ou não que seus dados sejam distribuídos à terceiros.

b. Clareza sobre quais dados serão coletados:

Termos de uso e políticas de privacidade, regra geral são apresentados por meio documentos com letras miúdas, quase inacessíveis aos olhos daqueles que goza de boa visão, e, que na maioria das ocasiões são levados à aquiescência, sem que se dê a devida leitura. Essa situação, quando se operar o início de vigência da Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais, as empresas que colhem dados pessoais, obrigatoriamente, deverão alterar os termos de consentimento sobre uso de dados de seus clientes. Ao esteio da legislação, os termos de aceitação, deverão ter uma cláusula destacada, específica, sendo vedado um texto genérico ou de grande amplitude, a redação deverá ter clareza e objetividade. Caso contrário, a proposta de consentimento, poderá ser suscetível de declaração de nulidade.

c. Possibilidade de coleta somente das informações necessárias:

A limitação do espectro de colheita de dados, a qual, impõe que as empresas só estarão autorizadas a coletar informações que tenham alguma finalidade ou que sejam necessárias para a oferta daquele serviço em específico. Regra geral, coletar apenas o necessário em termos de dados e/ou elementos. Admitamos hipoteticamente que ao baixar um aplicativo de conversas em vídeo (o que está ocorrendo com grande frequência atualmente), não será permitido o pedido de acesso a localização do usuário. Essa é uma das situações que a lei visa controlar, por se traduzir no uso totalmente indevido das informações pessoais dos consumidores, configurando assim, invasão de privacidade.

d. Adoção de medidas de segurança para acessos não autorizados:

Outro aspecto de grande relevância que traz o texto legal, é no sentido de que todas as organizações adotem medidas de segurança extrema para proteger e preservar seus clientes de acessos não autorizados. O objetivo do legislador está centrado na necessidade de máxima proteção aos dados e que esses, não sofram nenhuma espécie de avaria. Observe-se que eventual incidente de segurança ou dano ao titular do dado pessoal, seja ele de ordem moral, de ordem patrimonial, individual ou coletivo, aquele que não bem zelou pelos dados, será compelido a repará-los.

e. Pedido de acesso aos dados coletados:

Os cuidados no sentido de assegurar a proteção de dados e consequentemente a privacidade dos seus usuários são tão elevados, que a Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais, assegura que o titular dos dados, aquele que autorizou a sua utilização dentro dos limites fixados pelo próprio texto legislativo, possa formular pedido para acessar os dados coletados. Uma forma de controlar o que está sendo usado, evitando assim alterações ou exclusões no todo ou em parte. Feita a solicitação, a empresa que se utiliza dos dados deverá fornecer as informações em até 15 (quinze) dias, e, com isso, poderá o consumidor, pedir a correção ou até mesmo eliminar uma informação.
  
f. Critério rigoroso para coleta de dados de menores de idade:

A utilização da Internet e dos canais nela existentes pelos jovens, têm se revelado uma constante, gerando assim um elevado volume de informações e dados. A coleta de informações e dados de crianças e adolescentes, só pode ocorrer e só é permitida com o consentimento expresso de um responsável legal. Mas não é só! Uma vez franqueada a autorização, esses dados devem ser mantidos de forma pública, da mesma maneira em relação a forma pela qual, tais dados serão objeto de utilização, de forma clara e transparente.

g. Anuência e consentimento específico para uso e colheita de informações pessoais sensíveis:

Algumas informações de caráter pessoal, tais como, raça, religião, preferência sexual, biometria, informações genéticas e outras, são consideradas sensíveis. Tais elementos, quando coletados carecem de um consentimento específico e aquele que porventura for coletá-los, deverá dizer ao titular, quais as razões e motivos pelos quais eles serão coletados e como serão utilizados. Em razão do caráter personalíssimo que tais elementos são considerados sensíveis.

Dados, elementos e informações correspondentes a saúde, como aqueles que indicam a realização de exames laboratoriais, referentes a medicamentos de uso controlado serão considerados sensíveis, vedando-se o seu uso de forma compartilhada.

Enfim, a Lei Geral da Proteção de Dados Pessoais (LGPD), impõe a necessidade de muitos cuidados em relação aos dados, a sua proteção, a sua preservação, a sua utilização, a sua veiculação etc. sob pena de, diante da inobservância, ensejar a aplicação de uma série de sanções administrativas, sem prejuízo do dever de reparação de danos morais individuais e/ou coletivos.

(viii) Das sanções e penalidades em casos de descumprimento:

Tais medidas revelam-se de fundamental importância, pois a inobservância de quaisquer um desses pontos fundamentais, sem prejuízo do dever de reparação por danos morais individuais e/ou coletivos, poderá ensejar aos agentes de tratamento de dados aplicação de sanções nas mais diferentes modalidades, dentre as quais:

a - advertência, com indicação de prazo para adoção de medidas corretivas; b - multa simples, de até 2% (dois por cento) do faturamento da pessoa jurídica de direito privado, grupo ou conglomerado no Brasil no seu último exercício, excluídos os tributos, limitada, no total, a R$ 50.000.000,00 (cinquenta milhões de reais) por infração; c - multa diária, observado o limite total de R$ 50.000.000,00 (cinquenta milhões de reais); d - publicização da infração após devidamente apurada e confirmada a sua ocorrência; e - bloqueio dos dados pessoais a que se refere a infração até a sua regularização; f - eliminação dos dados pessoais a que se refere a infração; g - suspensão parcial do funcionamento do banco de dados a que se refere a infração pelo período máximo de 6 (seis) meses, prorrogável por igual período, até a regularização da atividade de tratamento pelo controlador;  h - suspensão do exercício da atividade de tratamento dos dados pessoais a que se refere a infração pelo período máximo de 6 (seis) meses, prorrogável por igual período; i - proibição parcial ou total do exercício de atividades relacionadas a tratamento de dados.
  
(ix) Das conclusões:

A Lei n° 13.709, de 14 de agosto de 2018,  que dispõe sobre a proteção de dados pessoais e altera o Marco Civil da Internet, em uma analise ainda que perfunctória, demonstra que o seu espectro de abrangência, tem por premissa maior, enquanto marco regulatório, impor os parâmetros, os limites e os critérios para o tratamento de dados de pessoais naturais, dentro da estrita observância aos seguintes princípios: respeito à privacidade;  autodeterminação informativa; liberdade de expressão, de comunicação e de opinião; inviolabilidade da intimidade, da honra e da imagem; o desenvolvimento econômico e tecnológico e a inovação; a livre iniciativa; a livre concorrência e a defesa do consumidor e os direitos humanos; o livre desenvolvimento da personalidade, a dignidade e o exercício da cidadania pelas pessoas naturais.

Princípios esses que se observados atentamente, terão o condão de balizar, todas as diretrizes destinadas a proteger e resguardar os dados e informações pessoais, veiculadas em ambientes virtuais, de forma tal, que os direitos e garantias individuais, notadamente no que concerne à inviolabilidade da privacidade e da intimidade, sejam preservadas nos exatos termos da garantia constitucional que se encontra inserta no inciso X do artigo 5º. da Carta Constitucional de 1988.

Que a vigência efetivamente se concretize a partir do dia 1º. de agosto de 2021.

GILBERTO MARQUES BRUNO

Advogado é sócio fundador de MARQUES BRUNO Advogados Associados (OAB/SP n.: 6.707) – É Tributarista e especialista em Direito Empresarial, Direito Público e Direito Eletrônico – É Bacharel em Direito pela Faculdade de Direito das Faculdades Metropolitanas Unidas – FMU (Turma de 1988) - É pós-graduado em Direito Empresarial (lato senso) e Direito Tributário (estrito senso) pelo Centro de Estudos e Extensão Universitária das Faculdades Metropolitanas Unidas (FMU) 1.ª Turma (1992) - É conselheiro da Associação Comercial de São Paulo - ACSP (2019/2021) – É conselheiro da Associação dos Advogados Trabalhistas de São Paulo – AATSP (2019/2020)