quarta-feira, 19 de maio de 2021

AS MANIFESTAÇÕES CULTURAIS NO AMBIENTE VIRTUAL TEM PROTEÇÃO LEGAL?

 

A PROPAGAÇÃO DA CULTURA E DA DIVERSIDADE CULTURAL NO AMBIENTE VIRTUAL:

 

A ORIGEM DA INTERNET NO BRASIL:

 

Desde a chegada de Internet no Brasil, lá pelo início da década de 1990, evidentemente em um primeiro momento com o viés de um instrumento de pesquisa para interligar universidades do pais e de outras nações, a sua abertura para fins comerciais, a privatização do sistema de telecomunicações, as modalidades de conexão (inicialmente discadas), a ampliação de redes, a chegada das modalidades de conexões, as disputas pelo direito de uso da tecnologia 5G, a internet da coisas, a inteligência artificial e tantas outras situações foram se incorporando ao dia das pessoas, ao dia a dia da sociedade e a ampliação da globalização.

 

A PANDEMIA E A CONECTIVIDADE

 

Esse momento que estamos a viver, com a pandemia Covid-19 é um grande exemplo das transformações que tivemos que adotar para que parte das atividades não cessassem definitivamente, como é o caso do comércio, do Poder Judiciário etc. A pandemia trouxe o teletrabalho, o surgimento das lives (transmissões ao vivo) e tantas outras formas das pessoas se relacionarem nos momentos de isolamento e distanciamento social. Os diferentes setores da sociedade, foram buscando alternativas para tentar “sobreviver” diante das adversidades e no Brasil, cuja característica da população é de lutar e como se costuma dizer, “matar um leão por dia”, não poderia ser diferente.

 

 

O SETOR CULTURAL E OS PREJUÍZOS COM A PANDEMIA

 

O setor cultural, foi um dos mais afetados e ainda está sendo de certa forma prejudicado e sofrendo efeitos por demais difíceis com a pandemia. A abertura gradual e a retomada das atividades, deverá ocorrer de forma paulatina, progressiva, pois apenas depois de todos os brasileiros imunizados completamente é que vamos ter condições de retomar as atividades com alguma tranquilidade, já que o próximo enfrentamento será muito maior, ou seja, a retomada da economia e luta para tentar minimizar as desigualdades sociais e a miséria que se ampliou sobremaneira.

 

A VEICULAÇÃO DE CONTEÚDOS NA INTERNET

 

Pois bem, com base em todas essas assertivas a tecnologia, a internet e as redes sociais, tornaram-se extremamente importantes neste momento, mas não é só, os conteúdos, as criações de espíritos, as manifestações artísticas e culturais no ambiente virtual, seriam protegidas ou a partir do momento em que são veiculadas, os seus autores perdem totalmente o controle, a tutela sobre elas, visto que algumas pessoas consideram que a Internet é uma terra sem Lei?

 

DIREITO DE ACESSO À CULTURA – GARANTIA CONSITUCIONAL

 

O direito de acesso à cultura é consagrado como uma espécie de direito de fundamental, o que está previsto no caput do art. 215 da Carta Magna de 1988. In verbis:

“Art. 215. O Estado garantirá a todos o pleno exercício dos direitos culturais e acesso às fontes da cultura nacional, e apoiará e incentivará a valorização e a difusão das manifestações culturais.”

Da proteção constitucional, alguns conceitos básicos devem ser observados para que se possa ter a maior compreensão da importância da cultura no ambiente virtual.

 

CONCEITOS BÁSICOS

 

Cultura - corresponde a um conjunto de hábitos, crenças e conhecimentos de um povo ou um determinado grupo artístico (literário, dramatúrgico, musical, derivado das artes plásticas etc.) que cultiva, de algum modo, um padrão estético semelhante.

Cultura democrática – se define como “um conjunto de crenças, atitudes, normas, percepções e inclinações, que alicerçam a participação” dos cidadãos e sua formação no âmbito da sociedade.

Diversidade Cultural - refere-se aos diferentes costumes de uma sociedade, entre os quais podemos citar: vestimenta, culinária, manifestações religiosas, tradições, entre outros aspectos. ... Os principais disseminadores da cultura brasileira são os colonizadores europeus, a população indígena e os escravos africanos.

A diversidade cultural engloba um conjunto de culturas existentes, ou seja, a variedade de culturas diferentes em um determinado local. A globalização foi fator de extrema importância para que houvesse uma maior diversidade nesse âmbito, pois possibilitou maior intercâmbio cultural entre os países.

 

A EVOLUÇÃO TECNOLÓGICA E A DIFUSÃO DA CULTURA

 

A internet, as ferramentas de comunicação e as redes sociais, por meio dos sites, do Youtube, o Facebook o Instagram, o WhastApp e outras ferramentas, tornaram-se e estão se tornando mecanismos de difusão da cultura, da diversidade cultural.

A quantidade de conteúdos disponibilizados, por meio de vídeos, imagens, textos, e-books e outras formas de propagação das manifestações culturais, traz algumas inquietações e indagações, dentre as quais: Poderíamos considerar que a internet é uma terra sem lei? Os conteúdos disponibilizados na internet e nas redes sociais, asseguram aos autores proteção legal?

Entendo que os conteúdos e os seus respectivos autores, gozam do direito de proteção legal e podem exteriorizá-los, pois os conteúdos veiculados nas mais diferentes formas são sim protegidos por lei.

O que vale dizer, de um lado existe a proteção da Constituição Federal que garante o direito ao acesso à cultura. Um dever do Estado e um direito do cidadão. De outro, a Lei de Direitos Autorais, de muito, já traz a segurança e a proteção necessária para as criações de espírito, as manifestações culturais criadas, divulgadas e disponibilizadas por pessoas físicas e jurídicas.

 

O QUE É O DIREITO AUTORAL?

 

Por definição, Direito Autoral é um conjunto de prerrogativas conferidas por lei à pessoa física ou jurídica criadora da obra intelectual, para que ela possa gozar dos benefícios morais e patrimoniais resultantes da exploração de suas criações.

O direito autoral está regulamentado pela Lei de Direitos Autorais (Lei 9.610/98) e protege as relações entre o criador e quem utiliza suas criações artísticas, literárias ou científicas, tais como textos, livros, pinturas, esculturas, músicas, fotografias, vídeos. imagens etc.  São divididos, para efeitos legais, em direitos morais e patrimoniais.” 

 

DIFERENÇAS ENTRE DIREITOS MORAIS E PATRIMONIAIS

 

Direitos Morais: são aqueles de caráter pessoal, intransferíveis e irrenunciáveis. Exemplo o direito de o autor alterar sua obra, seu conteúdo, mesmo de utilizada e até de retirá-la de circulação e se transferem aos herdeiros e sucessores na mesma condição.

 

Direitos Patrimoniais: são aqueles que podem ser transferidos ou cedidos a outras pessoas, as quais o autor concede direito de representação ou de utilização de suas criações. 

 

DIREITOS MORAIS

 

A Lei de Direitos Autorais, estabelece o rol de premissas que caracterizam os direitos personalíssimos dos autores, os direitos que são irrenunciáveis e intransferíveis. São eles: I - o de reivindicar, a qualquer tempo, a autoria da obra; II - o de ter seu nome, pseudônimo ou sinal convencional indicado ou anunciado, como sendo o do autor, na utilização de sua obra; III - o de conservar a obra inédita; IV - o de assegurar a integridade da obra, opondo-se a quaisquer modificações ou à prática de atos que, de qualquer forma, possam prejudicá-la ou atingi-lo, como autor, em sua reputação ou honra; VI - o de retirar de circulação a obra ou de suspender qualquer forma de utilização já autorizada, quando a circulação ou utilização implicarem afronta à sua reputação e imagem; VII - o de ter acesso a exemplar único e raro da obra, quando se encontre legitimamente em poder de outrem, para o fim de, por meio de processo fotográfico ou assemelhado, ou audiovisual, preservar sua memória, de forma que cause o menor inconveniente possível a seu detentor, que, em todo caso, será indenizado de qualquer dano ou prejuízo que lhe seja causado.

Já na seara dos direitos patrimoniais, pode se dizer que são aqueles que embora o autor tenha direito exclusivo de utilizar, fruir e dispor de obra literária, artística ou científica, podem ser transferidos ou cedidos a outras pessoas, as quais o autor concede direito de representação ou de utilização de suas criações.

Nesse esteio, dependem de autorização prévia e expressa do autor a utilização da obra, por quaisquer modalidades, tais como:

I - a reprodução parcial ou integral; II - a edição; III - a adaptação, o arranjo musical e quaisquer outras transformações; IV - a tradução para qualquer idioma; V - a inclusão em fonograma ou produção audiovisual; VI - a distribuição, quando não intrínseca ao contrato firmado pelo autor com terceiros para uso ou exploração da obra; VII - a distribuição para oferta de obras ou produções mediante cabo, fibra ótica, satélite, ondas ou qualquer outro sistema que permita ao usuário realizar a seleção da obra ou produção para percebê-la em um tempo e lugar previamente determinados por quem formula a demanda, e nos casos em que o acesso às obras ou produções se faça por qualquer sistema que importe em pagamento pelo usuário; VIII - a utilização, direta ou indireta, da obra literária, artística ou científica, mediante: a) representação, recitação ou declamação; b) execução musical; c) emprego de alto-falante ou de sistemas análogos; d) radiodifusão sonora ou televisiva; e) captação de transmissão de radiodifusão em locais de frequência coletiva; f) sonorização ambiental; g) a exibição audiovisual, cinematográfica ou por processo assemelhado; h) emprego de satélites artificiais; i) emprego de sistemas óticos, fios telefônicos ou não, cabos de qualquer tipo e meios de comunicação similares que venham a ser adotados; j) exposição de obras de artes plásticas e figurativas; IX - a inclusão em base de dados, o armazenamento em computador, a microfilmagem e as demais formas de arquivamento do gênero; X - quaisquer outras modalidades de utilização existentes ou que venham a ser inventadas.

Esses dois pontos previstos na Lei de Direitos Autorais, conjugados com as demais hipóteses, revelam, pois, a proteção legal no ambiente virtual.

 

DIREITOS CULTURAIS

 

A importância da cultura e a sua difusão e propagação entre os povos, entre as nações, permitiu que a fixação de direitos culturais seja considerada como um dos elementos essenciais a assegurar a prevalência dos direitos humanos. A legislação internacional, por intermédio da Declaração Universal sobre Diversidade Cultural, traz à tona os direitos culturais como direitos humanos, conforme o disposto no seu artigo 5º.

A interpretação leva ao entendimento de que os direitos culturais são parte integrante dos direitos humanos, que são universais, indissociáveis e interdependentes.

Tanto é fato, que o desenvolvimento de uma diversidade criativa exige a plena realização dos direitos culturais, tal como os define o Artigo 27 da Declaração Universal de Direitos Humanos e os artigos 13 e 15 do Pacto Internacional de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais.

Logo, “toda e qualquer pessoa deve, assim, poder expressar-se, criar e difundir suas obras na língua que deseje e, em particular, na sua língua materna; toda pessoa tem direito a uma educação e uma formação de qualidade que respeite plenamente sua identidade cultural; toda pessoa deve poder participar na vida cultural que escolha e exercer suas próprias práticas culturais, dentro dos limites que impõe o respeito aos direitos humanos e às liberdades fundamentais.”

E vai ainda mais longe ao apresentá-los à luz da dignidade da pessoa humana:

“Artigo 4 – Os direitos humanos, garantias da diversidade cultural. A defesa da diversidade cultural é um imperativo ético, inseparável do respeito à dignidade humana. Ela implica o compromisso de respeitar os direitos humanos e as liberdades fundamentais, em particular os direitos das pessoas que pertencem a minorias e os dos povos. Ninguém pode invocar a diversidade cultural para violar os direitos humanos garantidos pelo direito internacional, nem para limitar seu alcance.”

A amplitude dos direitos humanos, revelam que estão dentro das garantias da diversidade cultural, como instrumento ético, vinculado ao respeito à dignidade humana, revelando assim o amplo espectro da sua importância.

 

CONCLUSÕES:

 

Pode se afirmar que se de um lado o Estado tem o dever de garantir a todos o pleno exercício dos direitos culturais e acesso às fontes da cultura nacional,  bem como de apoiar e incentivar a valorização e a difusão das manifestações culturais, de outro, os titulares dos direitos veiculados no ambiente virtual, tem o direito de ser protegidos por todas as suas criações e manifestações por ventura veiculadas, que deverão no mínimo preservar as fontes originárias, conter as autorizações destinadas ao uso da imagem, do conteúdo e de todos os aspectos correlatos, sejam eles, por escritos, áudios, imagens, sons, vídeos etc.

Igualmente no tocante a diversidade cultural, cujos aspectos protetivos adquirem um caráter muito mais amplo, já que ela se encontra contemplada na Declaração Universal de Direitos Humanos e revela-se inseparável ao princípio da dignidade humana e em especial ao direito à liberdade.

A diversidade cultural tem maior abrangência, por representar a essência, a origem de um povo, suas raízes a sua tradição e os que estiverem legitimados, possuem o direito para defendê-los.

Podemos então, concluir e asseverar que em razão da garantia constitucional conferida a cultura, as manifestações culturais e a diversidade cultural, todos os conteúdos disponibilizados na Internet e nas redes sociais, são protegidos pela Lei de Direitos Autorais naquilo que lhe couberem, ensejando por via consequência, as responsabilizações correspondentes à todos aqueles que por ventura, não os respeitarem, pois a internet também em tais hipóteses, não pode ser considerada uma terra sem lei.

GILBERTO MARQUES BRUNO

Advogado é sócio fundador de MARQUES BRUNO Advogados Associados em São Paulo – É Tributarista e especialista em Direito Empresarial, Direito Público e Direito Eletrônico – É Bacharel em Direito pela Faculdade de Direito das Faculdades Metropolitanas Unidas – FMU (Turma de 1988) - É pós-graduado em Direito Empresarial (lato senso) e Direito Tributário (estrito senso) pelo Centro de Estudos e Extensão Universitária das Faculdades Metropolitanas Unidas (FMU) 1.ª Turma (1992) - É conselheiro da Associação Comercial de São Paulo - ACSP (2021/2023). Palestrante e autor de obras jurídicas.