quinta-feira, 12 de setembro de 2019

Acesso a e-mails internos da empresa caracteriza violação de sigilo de correspondência

O ACESSO A CONTEÚDO DE E-MAIL’S DE UMA EMPRESA PODE CONFIGURAR VIOLAÇÃO DE SIGILO DE CORRESPONDÊNCIA?


Recente decisão da Segunda Turma do Tribunal Superior do Trabalho entendeu insuscetível de validade e de utilização como meio de prova, conteúdo de correspondências eletrônicas de uma empresa de transporte de valores e segurança, que teriam sido obtidos sem autorização judicial por dois empregados que tiveram a rescisão do contrato de trabalho por justo motivo reconhecida em juízo.

O entendimento da Corte Suprema Trabalhista, exarado nos autos do Processo: RR-44900-19.2012.5.17.0012, seguiu no sentido de que, o acesso às mensagens, quando obtido de forma anônima, configura e caracteriza quebra do sigilo de correspondência.

Em sede de defesa, a reclamada formulou requerimento junto ao Juízo Federal da 12ª. Vara do Trabalho de Vitória (ES), que declarasse por sentença a rescisão do contrato de trabalho por justo motivo, por falta grave, ao esteio do disposto na Consolidação das Leis do Trabalho, de dois empregados que possuíam estabilidade provisória por ocuparem cargos de dirigentes sindicais. 

Dentre as condutas imputadas aos reclamantes naqueles autos, se encontravam, fraudes nos controles de frequência, uso indevido de equipamento celular da empresa para tratar de questões de ordem particular, desvio e abandono de rota dos veículos da empresa para tomar sorvetes, desmonte parcial do veiculo, objetivando a localização de equipamento de filmagem e gravação instalado e permissão de acesso de terceiros ao interior do veículo.

Os ex-funcionários por seu turno, ingressaram com reconvenção, pleiteando indenização por dano moral, alegando que a empresa os teria rebaixado de função, suprimido horas extraordinárias e por ter-lhes aplicado advertências. 

Os dois pedidos foram julgados improcedentes. De um lado, segundo o entendimento do juízo sentenciante, nenhum dos fatos sustentados pela reclamada, era suficiente para configurar falta grave que tivesse o condão de justificar a aplicação de justo motivo para o rompimento do pacto laboral por parte do empregador em relação aos dois dirigentes sindicais. De outro, as alegações dos empregados na reconvenção, não caracterizavam a hipótese de direito à percepção de indenização por dano extrapatrimonial.

Em sede de recurso ordinário, o Tribunal Regional do Trabalho da 17ª. Região, declarou a extinção dos contratos de trabalho por justo motivo. Para a Corte Regional, há perda de confiança “quando o empregado faz devassa no veículo da empresa, a fim de localizar câmeras de segurança, considerando-se tratar de empresa de transporte de valores”.

Embora tenha reconhecido a justa causa, o TRT manteve a vigência do contrato de trabalho até o trânsito em julgado da decisão com suspensão da prestação de serviço, sem prejuízo dos salários dos empregados.

Os ex-funcionários interpuseram recurso de revista, e ao depois, requereram a juntada de correspondências eletrônicas (internas da empresa), as quais teriam sido depositadas na caixa de correio do sindicato em um pen drive.

Valeram-se de argumento no sentido de que as mensagens conteriam conversas em que membros da diretoria da empresa, teriam concluído que não existiam elementos suficientes para a aplicação da rescisão por justo motivo, o que ensejaria a conclusão contrária do entendimento adotado pelo Tribunal Regional do Trabalho. Também valeram-se de argumentação no sentido de que foram vítimas de perseguição, de escuta ilegal, de massacre psicológico e atitude antissindical (posturas que vedam o livre exercício da atividade sindical).

Em sua manifestação, a empresa sustentou que as provas levadas aos autos, teriam sido colhidas de forma ilegal, pois os ex-colaboradores, não eram interlocutores das correspondências eletrônicas trocadas entre dois de seus advogados, postulando pela desconsideração e retirada imediata do material, com sustentáculo nos dispositivos que preservam o direito ao sigilo profissional e que se encontram previstos no Estatuto da Advocacia e da Ordem dos Advogados do Brasil (Lei Federal n.: 8.906/1994).

A relatora do recurso de revista, ministra Delaíde Miranda Arantes, respaldou o seu entendimento sob a ótica da inviolabilidade de dados, asseverando que a Carta Constitucional, assegura o sigilo de correspondência, de dados e das comunicações telefônicas (artigo 5º, inciso XII), excetuadas as hipóteses em que houver autorização judicial. Consignou ainda, que a Lei das Telecomunicações (Lei Federal n.: 9.472/1997), segundo o inciso V do seu artigo 3º., assegura ao usuário “o direito à inviolabilidade e ao segredo de sua comunicação, salvo nas hipóteses e condições constitucional e legalmente previstas”. E para concluir o seu entendimento, registrou que o Marco Civil da Internet (Lei Federal n.: 12.965/2014), no seu artigo 7º, que cuida dos princípios, garantias, direitos e deveres para o uso da internet no Brasil, “assegura a inviolabilidade dos dados armazenados em dispositivo privado ou transmitidos pela rede mundial de computadores”.

Em seu voto, asseverou que: ...“No caso, resta claramente evidenciado que houve acesso aos e-mails mesmo sem prévia autorização judicial, em violação ao sigilo de correspondência”, afirmou a relatora. “Os próprios empregados admitem que os e-mails são de propriedade da empresa e que foram obtidos de forma anônima. Trata-se, a toda evidência, de prova contaminada, ilegítima e ilegal, impossível de ser usada para a formação do convencimento do julgador.”...
À unanimidade, a Turma rejeitou o pedido de juntada das correspondências eletrônicas e não analisou o mérito do recurso interposto pelos ex-empregados. Já o recurso de revista da ex-empregadora, teve provimento e afastou a determinação de pagamento dos salários, reformando assim a decisão do pretório regional.

Prevalecendo assim entendimento no sentido de que deve ser assegurado o sigilo de correspondência, bem como o direito à inviolabilidade e ao segredo de sua comunicação, excetuadas as hipóteses legalmente previstas, e, colhidas mediante autorização judicial.

Dessa forma, caso a obtenção dos conteúdos das correspondências eletrônicas, sejam obtidos sem autorização judicial, confirgurar-se-á violação de sigilo de correspondência e seu conteúdo não terá força probatória.

Gilberto Marques Bruno
Advogado e Professor
Sócio Fundador de Marques Bruno Advogados Associados
(OAB/SP n.; 6.707)
Conselheiro da Associação Comercial de São Paulo (ACSP)
Conselheiro da Associação dos Advogados Trabalhistas de São Paulo (AATSP)