segunda-feira, 31 de agosto de 2020

CONTEÚDO ILEGAL OU OFENSIVO - DIREITO DE DEFESA DOS PROVEDORES DE ACESSO EM PROCESSO JUDICIAL


 


CONTEÚDO APONTADO COMO ILEGAL OU OFENSIVO OBJETO DE AÇÃO JUDICIAL – DIREITO DE DEFESA DO PROVEDOR DE ACESSO:

Tem-se por certo que as questões alusivas a atribuição de responsabilidade em decorrência de conteúdos ofensivos ou ilegais no ambiente virtual, permitem a discussão de acirrados debates destinados a definir o limite e o alcance desse ônus, dentro das mais diferentes hipóteses.

Em data recente a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça em sede de julgamento de Recurso Especial de relatoria da ministra Nancy Andrighi, emitiu posicionamento no sentido de que inexiste impedimento para que o provedor de aplicação (de acesso), em casos que o autor do conteúdo on-line considerado como ilegal ou ofensivo, não integre a ação judicial, apresente defesa pela licitude do material publicado ou hospedado em suas plataformas.

Decorrente de ação de obrigação de fazer ajuizada contra o Google do Brasil, para que fossem excluídos vários conteúdos que teriam sido publicados em um blog contra um advogado, o autor da ação, fez juntar as respectivas URL´s (Uniform Resource Locator - Localizador Uniforme de Recursos das publicações), ou seja, os respectivos endereços virtuais que identificavam as publicações ofensivas. Aforou medida contra o Google, sem incluir no polo passivo o autor das ofensas, aquele que se utiliza da plataforma oferecida pelo provedor.

A sentença de primeiro grau, determinou que os conteúdos indicados fossem excluídos, sendo preservado o comando pelo Tribunal de Justiça do Estado de Rio de Janeiro, e, ampliando o espectro da responsabilidade, no sentido de que estabelecer que o Google é responsável por eventuais danos causados pelo conteúdo ofensivo, se após regularmente notificado e ciente do teor das ofensas, recusar-se a retirá-las de imediato da plataforma em que foram disponibilizadas.

A título de defesa, a detentora da plataforma, sustentou que as manifestações publicadas no blog, representariam apenas e tão somente a exteriorização de um debate acalorado sobre o tema que era revestido de polemica, e que diante disso, as opiniões lançadas, deveriam ser protegidas pelo direito à livre manifestação.

A questão de fundo está a gravitar sob a ótica de duas premissas fundamentais.

A primeira no que concerne a retirada de conteúdo ofensivo, disponibilizado por terceiros usuários de uma das funcionalidades oferecidas de forma onerosa ou gratuita em plataforma do provedor de acesso onde o terceiro se encontra hospedado e a eventual responsabilidade por reparação.

E a segunda, refere-se à possibilidade do provedor, diante da ausência de participação do autor do conteúdo em ação judicial, defender a licitude do conteúdo publicado.

A ministra Nancy Andrighi, relatora do recurso, enfatizou que a empresa Google Brasil, apenas disponibiliza um serviço de hospedagem de blogs, nos quais, o particular, pode se manifestar livremente, sem qualquer sorte de interferência por parte empresa detentora da plataforma. O que poderia de certa forma servir de atenuante quanto a fixação de responsabilidade por eventual reparação.

Disse a relatora em seu voto:

...“DA REMOÇÃO DE CONTEÚDO DA INTERNET4. Com a publicação da Lei 12.965/2014, que institui o Marco Civil da Internet, muitos dos elementos que compõem a rede mundial de computadores foram definidos normativamente. Assim, temos que a Internet foi definida como “o sistema constituído do conjunto de protocolos lógicos, estruturado em escala mundial para uso público e irrestrito, com a finalidade de possibilitar a comunicação de dados entre terminais por meio de diferentes redes” (art. 5º, I).5. Por sua vez, utilizando as definições estabelecidas pelo art. 5º, VII, do Marco Civil da Internet, uma “aplicação de internet” é o conjunto de funcionalidades que podem ser acessadas por meio de um terminal conectado à internet. Como é possível perceber, essas funcionalidades podem ser as mais diversas possíveis, tais como serviços de e-mail, redes sociais, hospedagem de dados, compartilhamento de vídeos, e muitas outras ainda a serem inventadas. Por consequência, os provedores de aplicação são aqueles que, sejam com ou sem fins lucrativos, organizam-se para o fornecimento dessas funcionalidades na internet. 6. Na hipótese dos autos, a recorrente fornece um serviço de hospedagem de blogs, por meio dos quais qualquer particular pode se manifestar livremente, sem atuação editorial por parte da provedora de aplicação.”... (texto no original – grifos e destaques nossos)

Realmente, se levarmos em conta que o blog é hospedado na plataforma disponibilizada pelo Google Brasil, e, que essa página é administrada única e exclusivamente pelo seu titular, pois a ele, cumpre o acesso, por meio de senha, entendo que caminhou muito bem a relatora do recurso, pois, na minha opinião, “não poderia a empresa interferir nesses conteúdos de forma a alterar e/ou editar o que foi objeto de publicação”. Se de um lado o autor tem o direito de livre manifestação, o direito de liberdade de expressão, de outro, os conteúdos publicados, deverão se subordinar aos limites expressos na própria legislação, aspecto esse que evidenciaria os parâmetros da eventual responsabilidade por reparação de danos por ventura causados. Aspectos esses que de certa maneira, estariam a afastar eventual responsabilidade pelo provedor de acesso.

Quando a forma pela qual deverão ser adotadas as medidas destinadas a retirar o eventual conteúdo indevido, impróprio ou indevido, a relatora do recurso, enfatizou a necessidade de indicação dos localizadores específicos desses conteúdos, atendendo assim a expressa determinação descrita no Marco Civil da Internet (Lei n.: 12.965/2014).

A URL (Uniform Resource Locator), cuja tradução literal, significa  localizador uniforme e literal da publicação, nada mais é que o endereço da publicação, por meio do qual, sua localização se efetiva no mundo virtual, e, como tal, deve ser indicada para que assim, possa a plataforma adotar as medidas necessárias, diante de eventual ordem de retirada.

Disse a ministra Nacy Andrighi:

..."A jurisprudência do STJ é pacífica no sentido de que, para a configuração da responsabilidade dos provedores de aplicação por conteúdos gerados por terceiros, a indicação clara e específica de sua localização na internet é essencial, seja por meio de uma notificação do particular, seja por meio de uma ordem judicial", afirmou.”... (texto original – grifos e destaques nossos)


Porém, asseverou que a análise do pedido de remoção de conteúdos da Internet, mesmo sem previsão expressa no artigo 19 da Lei n.: 12.965/2014, fica condicionada a constatação de ilegalidade do próprio conteúdo, ou eventualmente, na forma que se deu sua divulgação, para que então possa ser deferido eventual pedido de remoção do mesmo.

Outro ponto interessante que foi abordado pela relatora do recurso, reside no fato de que, ainda que o autor do conteúdo publicado, não integre o polo passivo da ação, inexiste qualquer sorte de impedimento no sentido de que o provedor de aplicação apresente argumentos destinados a defender a licitude dos conteúdos.

Penso que antes de se evidenciar a existência de responsabilidade ou não de um provedor de acesso, um provedor de aplicação, como é o caso Google, necessário se faz que lhe seja assegurado o direito ao contraditório e a ampla defesa, notadamente pelo fato de que, a disponibilização de criação de um blog por exemplo, reside em uma das funcionalidades oferecidas pelo provedor, seja de forma gratuita ou onerosa, e, a partir do momento que terceiro aceita as condições impostas para disponibilizar na plataforma os seus conteúdos, aquele não pode ser responsabilizado pela qualidade e pela fiscalização do conteúdo.

O que vale dizer, entendo que o “hóspede” da plataforma, se sujeitou as cláusulas e condições para hospedar, por exemplo um blog e nele disponibilizar conteúdos, deverá ser responsável por eles, notadamente se forem eivados de ofensas, não cumprindo ao provedor o dever de fiscalizar, pois se assim o fizesse, estaria a impor censura, ainda que se trate de conteúdo ofensivo.

Apesar disso, no voto acompanhado de forma unânime pelo colegiado, a relatora negou provimento ao recurso da Google. Segundo ela, o TJRJ se manifestou exaustivamente sobre a configuração de ofensa à honra do advogado, não sendo possível ao STJ reanalisar essa conclusão, em virtude da vedação imposta pela Súmula 7.

No caso do recurso especial, a relatora negou provimento as pretensões do Google, pois sob sua ótica, o Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, teria exaustivamente se manifestado sobre os aspectos da ofensa ao Advogado, não sendo permitido ao STJ rever esse ponto, por força dos termos descritos na Súmula n.: 7 da Corte da Cidadania.

Para o presente estudo, fica apenas a reflexão no sentido de que o detentor da plataforma, não pode ser responsabilizado pelo conteúdo ofensivo, impróprio, que foi disponibilizado por terceiros em uma das funcionalidades oferecidas pelo provedor, tem sim, o dever de, após regularmente intimado, tirá-lo do ar, sobrestar sua veiculação. Até esse momento, se agir de forma imediata ao comando decorrente de uma notificação ou de uma ordem judicial, não que se falar em eventual responsabilização. Da mesma, nada insta, a luz do julgado, que o provedor defensa a licitude do conteúdo, caso o seu autor, não se encontre figurando no polo passivo da ação.

Evidentemente, penso que a defesa do que fora objeto de publicação não está a residir, na essência do conteúdo disponibilizado, no sentido de emitir juízo de valor, senso crítico sobre o que for expressado pelo hóspede de uma das funcionalidades, mas sim de que a publicação, estaria a representar apenas e tão somente, o direito à livre manifestação, o direito à liberdade de expressão.

Por certo, o tema ainda vai trazer muitas discussões, mas resta cristalino o fato de que o provedor de conteúdo, tem assegurado o direito ao contraditório e a ampla defesa, notadamente no sentido de defender se o caso, a licitude de conteúdo publicado por terceiro em suas plataformas, que por alguma razão não esteja a figurar no polo passivo da demanda.

Destarte, sob a ótica da Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça, ausente o autor da publicação, provedor pode defender licitude de conteúdo veiculado em suas plataformas.

GILBERTO MARQUES BRUNO - Advogado é sócio fundador de MARQUES BRUNO Advogados Associados (OAB/SP n.: 6.707) – É Tributarista e especialista em Direito Empresarial, Direito Público e Direito Eletrônico – É Bacharel em Direito pela Faculdade de Direito das Faculdades Metropolitanas Unidas – FMU (Turma de 1988) - É pós-graduado em Direito Empresarial (lato senso) e Direito Tributário (estrito senso) pelo Centro de Estudos e Extensão Universitária das Faculdades Metropolitanas Unidas (FMU) 1.ª Turma (1992) - É conselheiro da Associação Comercial de São Paulo - ACSP (2019/2021) – É conselheiro da Associação dos Advogados Trabalhistas de São Paulo – AATSP (2019/2020)