sexta-feira, 31 de julho de 2020

PODE UMA ORDEM JUDICIAL LOCAL IMPOR COMANDO A SER CUMPRIDO EM TERRITORIO INTERNACIONAL?

O BLOQUEIO DE CONTAS INTERNACIONAIS EM REDES SOCIAIS DEVEM SE SUJEITAR AOS LIMITES DA TERRITORIALIDADE:

 

De um lado, sabe-se que o princípio da territorialidade é um princípio de Direito que permite estabelecer ou delimitar a área geográfica em que um Estado exercerá a sua soberania. Essa área geográfica é o território, que constitui a base geográfica do poder e dá ensejo à jurisdição.

De outro, tem-se que jurisdição (do latim juris, "direito", e dicere, "dizer") nada mais é que o poder que detém o Estado para aplicar o direito ao caso concreto, com o objetivo de solucionar os conflitos de interesses e, com isso, resguardar a ordem jurídica e a autoridade da lei.

As prerrogativas do exercício da função jurisdicional são conferidas ao Poder Judiciário, conforme o estabelecido pela Constituição Federal, distribuindo-se as competências em razão das matérias e especializações das Cortes de Justiça. O dever de zelar e assegurar o fiel cumprimento da Carta Constitucional, incluindo-se nesse contexto os direitos e garantais fundamentais, que se encontram protegidos pelo manto da imutabilidade, cumpre ao Supremo Tribunal Federal, por meio dos seus 11 ministros.

Cumpre a eles, proteger cada um dos dispositivos insertos na Carta de Regência, evitando que sejam alvo de ataques, de descumprimentos que possam comprometer a ordem jurídica e a paz social.

Nos últimos tempos muito se tem discutido sobre os limites do exercício a liberdade de expressão e o exercício ao direito de livre manifestação.

Direitos constitucionalmente assegurados e protegidos como cláusulas pétreas, a liberdade de expressão e a liberdade de manifestação, devem ser exercidos amplamente, sem qualquer sorte de restrição. Amplitude que só poderia ser sobrestada caso seja suplantada a linha tênue existente entre, o exercício do direito e o desferir de ofensas.

É de se observar que a importância de tais direitos, guarda maior relevância, na medida em que é vedado o anonimato, aspecto esse que de per si, estaria a permitir a aplicação de sanções legalmente previstas a todos aqueles que adentrarem para o terreno de ofensas, ainda que invocando a liberdade de expressão e a liberdade de manifestação.

Expressar opiniões, emitir críticas, manifestar-se de forma escrita, verbal, por meio de vídeo, por meio de áudios e valendo-se das redes sociais, são formas de se exercitar os direitos à liberdade de expressão e de livre manifestação, desde que, aqueles que estão a pronunciar, a falar, não se mantenham ocultos, clandestinos ou disfarçados.

A democracia e o uso das redes sociais em nossa país, me parecem que muito ainda tem por evoluir.

Um dos exemplos disto, reside na questão das Fake News, que estão sendo discutidas no Inquérito n.: 4781, que tem como relator o ministro Alexandre de Moraes do Supremo Tribunal Federal.

Inquérito cuja instauração se deu por meio de Portaria GP Nº 69, de 14 de março de 2019, do senhor ministro Presidente do Supremo Tribunal Federal, que determinou a realização de medidas investigatórias e de bloqueio de ferramentas utilizadas para divulgação de noticiais falsas, de denunciações caluniosas, ameaças, transgressões com intenção de caluniar, difamar, injuriar e atingirem a honra e a segurança do Supremo Tribunal Federal, de seus integrantes e familiares, indicando a possível existência de uso organizado de ferramentas de informática, notadamente contas em redes sociais, para criar, divulgar e disseminar informações falsas ou aptas a lesar as instituições do Estado de Direito, superando assim os limites da liberdade de expressão.

E assim dentro de possível risco de se efetivar lesão ou ameaça a direito, conforme prescrito no Inciso XXXV do artigo 5º. da Trintenária Carta Constitucional, que o ministro Alexandre de Moraes, entendeu por bem determinar o “bloqueio de contas em redes sociais”, dentre as quais, o Facebook, o Twitter e o Instagram, daqueles que estão sendo investigados no inquérito que está a tramitar no âmbito da Polícia Federal, objetivando sobrestar a propagação de discursos com conteúdo de ódio,   de subversão   da   ordem   e   incentivo   à   quebra   da   normalidade institucional e do Estado Democrático de Direito.

Recentemente, lastreado no fato de que teria se operado o parcial cumprimento da ordem de bloqueio das contas nas redes sociais Twitter e Facebook, no inquérito que apura a publicação de fake news, o ministro Alexandre de Moraes, reiterou os termos da sua determinação sob pena de aplicação da multa diária, para alcançar eventuais contas e os seus conteúdos que possam ser acessados a partir de outros países nas redes sociais em comento.

Segundo os termos da sua nova decisão, o ministro do Supremo Tribunal Federal, em sua decisão asseverou que:

...”As redes sociais Twitter e Facebook continuam permitindo que os perfis sejam acessados através de endereços IP de fora do Brasil, ou seja, permitindo que sejam acessados normalmente a partir de outros países. Isto possibilita que usuários do Brasil utilizem serviços de roteamento de conexão, como VPNs, contornando este tipo de bloqueio e acessando os perfis em território nacional, como se estivessem em outros países.”... (texto no original – grifos e destaques nossos)

Na minha modesta opinião, ampliou o alcance da sua decisão para atingir os parâmetros da extraterritorialidade, sustentando sua Excelência que:

...”No caso da rede social Twitter, o bloqueio dos perfis no Brasil foi efetuado de forma ineficaz. O Twitter continua permitindo que os perfis sejam acessados através de endereços IP do Brasil, desde que o nome do país configurado na conta do usuário seja diferente de “Brasil”, por exemplo, “Estados Unidos”. Por isto, qualquer pessoa pode efetuar uma alteração simples em seu perfil do Twitter e continuar acessando livremente os perfis que deveriam estar bloqueados, conforme apresentado no item 3, demonstrando que o bloqueio foi ineficaz. Portanto, para atender corretamente a ordem judicial, as redes sociais Twitter e Facebook deveriam bloquear o acesso aos perfis através de qualquer endereço IP.”... (texto original – grifos e destaques nossos)

Analisando o alcance da decisão, que está a impor o bloqueio de contas internacionais do Twitter, tenho a impressão que a ordem avançou para um caminho que não poderia adentrar, que não poderia invadir, avizinhando-se de um ato judicial que estaria a impor a “CENSURA”.

Barrar, embargar, sobrestar, impedir o acesso aos perfis através de qualquer IP (Protocolo de Internet), identificados em outros países, não me parece que estaria dentro de parâmetros da competência do Supremo Tribunal Federal, ao menos em se tratando de decisão de cunho monocrático.

Tenho que seria o caso de se avaliar os limites da jurisdição de cada país, e, evidentemente as formas pelas quais, o Facebook e o Twitter (enquanto empresas), deveriam respeitar e obedecer as regras legais de cada nação em relação ao direito à liberdade de expressão e a livre manifestação dos seus usuários, os quais, a tais regras legais também deverão se subordinar.

E com lastro nessa premissa, que a empresa Facebook, entendeu por bem que não vai dar cumprimento a decisão do ministro Alexandre de Moraes do Supremo Tribunal Federal, informando por meio de nota que deverá recorrer da decisão.

Conforme os termos da nota, o Facebook afirma que respeita as normas legais dos países onde atua, porém pondera que no caso do Brasil, a legislação reconhece os limites à sua jurisdição e a legitimidade de outras jurisdições.

Me parece que a empresa está correta em se posicionar no sentido de “não atender aos termos da determinação”, e nem se alegue tratar-se de descumprimento de ordem judicial, mas sim, de exercitar o direito a ampla defesa, que também é constitucionalmente assegurado, de sorte a submeter os termos da aludida decisão a recurso para discutir sobre a legitimidade ou não da Suprema Corte Brasileira, de exarar posicionamento de forma monocrática, para impor ordem de bloqueio global.

O Twitter teria informado por meio de sua assessoria de comunicação que vai acatar os termos da decisão, bloqueando assim as contas que porventura os usuários relacionados no inquérito, tenham em outros países.

Os termos da primeira decisão foram integralmente cumpridos pelo Facebook e pelo Twitter, sendo as contas determinadas bloqueadas nas respectivas redes sociais.

Embora saibamos que nos termos da Carta Constitucional de 1988, a competência do Supremo Tribunal Federal se encontre fixada no artigo 102, Seção II, do Capítulo III, do Título IV, que cuida da Organização de Poderes, nos parece que os embates deverão agora adentrar na fixação dos limites da competência jurisdicional da Suprema Corte de Justiça Brasileira, que de certa forma, com a ordem de bloqueio global de contas nas redes sociais das empresas Facebook e Twitter, estaria a avançar as “fronteiras virtuais”, adentrando em território internacional, sem levar em conta as formas pelas quais, outras nações, disciplinam o direito a liberdade de expressão, o direito à livre manifestação, o direito à privacidade e a censura de conteúdos publicados que não mantenham os seus autores ocultos, e, a forma pela qual poderão ou não ser aplicados os princípios da extraterritorialidade.

Penso que a jurisdição tem o seu limite dentro dos parâmetros da territorialidade, salvo se, houver algum acordo ou tratado internacional que venha a disciplinar assuntos como o caso do bloqueio global de contas em redes sociais.

Se não existir nada neste sentido, a decisão emitida de forma monocrática com esse viés, simplesmente não pode ser considerada válida, pois, quero acreditar que o bloqueio de contas em redes sociais, não podem suplantar os limites da territorialidade e alcanças as existentes em outros países.

 

GILBERTO MARQUES BRUNO

Advogado é sócio fundador de MARQUES BRUNO Advogados Associados (OAB/SP n.: 6.707) – É Tributarista e especialista em Direito Empresarial, Direito Público e Direito Eletrônico – É Bacharel em Direito pela Faculdade de Direito das Faculdades Metropolitanas Unidas – FMU (Turma de 1988) - É pós-graduado em Direito Empresarial (lato senso) e Direito Tributário (estrito senso) pelo Centro de Estudos e Extensão Universitária das Faculdades Metropolitanas Unidas (FMU) 1.ª Turma (1992) - É conselheiro da Associação Comercial de São Paulo - ACSP (2019/2021) – É conselheiro da Associação dos Advogados Trabalhistas de São Paulo – AATSP (2019/2020)

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