quarta-feira, 3 de julho de 2019

Provedor de internet tem obrigação de fornecer IP de usuário que invadiu e-mail




DEVER DOS PROVEDORES DE ACESSO EM ARMAZENAR DADOS DE USUÁRIOS E DE FORNECER O NÚMERO DO PROTOCOLO DE INTERNET SEGUNDO O STJ:

Muito se discute sobre o dever dos provedores de acesso a internet, de armazenarem dados dos seus usuários e até mesmo de fornecê-los, sob alegações de que estaria o fornecimento a caracterizar ato de violação de privacidade ou intimidade, o que é objeto de vedação pela Carta Constitucional brasileira. Particularmente, entendo que os dados não devem ser sonegados impondo-se assim, o dever do provedor de acesso em fornecê-los, notadamente para os seus próprios usuários em situações possam gerar a ocorrência de atos criminosos.

Recentemente, com sustentáculo em precedentes do próprio Tribunal da Cidadania, no sentido de que os provedores de acesso à Internet são responsáveis pela preservação dos dados cadastrais dos seus usuários, antes mesmo do início de vigência do Marco Civil da Internet (de 2014), a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça rejeitou recurso especial  n.: 1785092, que foi interposto por provedor de acesso que fora condenado a fornecer informações sobre um usuário que no ano de 2009, invadiu o endereço eletrônico de um usuário e disparou mensagens ofensivas aos destinatários.
Em seus argumentos, o provedor alegou que teria iniciado o armazenamento dos dados vinte e três dias após a ocorrência dos fatos narrados na medida judicial contra si aforada, todavia, o colegiado entendeu que o dever de registro e armazenamento dessas informações já encontrava proteção legal no Código Civil de 2002.

A autora da ação de obrigação de fazer em suas razões disse que o “invasor” redigiu mensagens cujos conteúdos com ofensas e ameaças, foram enviados para outras pessoas a partir do seu endereço eletrônico (e-mail). O juízo de primeira instancia, determinou à empresa de telefonia, o fornecimento das informações para identificação do “invasor”, impondo a incidência de multa diária quantificada à razão de R$ 5.000,00 (cinco mil reais). O Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, reformou parcialmente a sentença, franqueando prazo de 48 horas para o adimplemento da obrigação e para reduzir a multa diária para R$ 1.000,00 (um mil reais).

Em sede de especial, a companhia telefônica aduziu razões no sentido de que, antes do ano de 2009, não armazenava informações de conexões à internet efetuadas a partir de redes móveis. Também argumentou que no lapso temporal da suposta invasão do endereço eletrônico, o IP (protocolo de internet), tinha atribuição dinâmica, o que vale dizer era um número único de registro, utilizado por vários usuários.

Conforme posicionamento da ministra Nancy Andrighi, a relatora do feito apontou que Superior Tribunal de Justiça, possui entendimento no sentido de que as prestadoras de serviços de internet, sujeitam-se ao dever legal de registro de suas atividades durante o prescricional de eventual ação de reparação civil, conforme disciplinado pelo artigo 1.194 do Código Civil brasileiro. Segundo o seu entendimento, os provedores têm o dever de armazenamento, e esses dados, devem ser suficientes para a identificação do usuário. Disse a ministra:

...“Dessa forma, com base nesses fundamentos, pode-se concluir que o provedor de acesso já possuía o dever de armazenar os dados cadastrais e os respectivos logs de seus usuários, para que estes pudessem ser identificados posteriormente, mesmo antes da publicação da Lei 12.965/2014, que instituiu o Marco Civil da Internet”...

Sobre o argumento de que o protocolo de internet dinâmico impediria a identificação do usuário, a relatora do feito mencionou precedentes da Terceira Turma, no sentido de que o número do IP foi projetado para ser único, de modo que, em cada acesso, ele corresponde a um único dispositivo conectado à rede.  E de forma precisa asseverou que:

...“Assim, mesmo com a utilização do IP dinâmico, ao se determinar o local e a hora de acesso, é possível a identificação do usuário.”...
Em outras palavras, ao discorrer sobre a alegação segundo a qual, por utilizar método de alocação de números IP de forma dinâmica, seria impossível determinar qual o usuário do serviço de conexão à internet em um determinado espaço e tempo, deixou claro que o Tribunal da Cidadania, já havia se pronunciado sobre o tema por ocasião do julgamento do REsp 1622483/SP (Terceira Turma, DJe 18/05/2018). Na ocasião, o relator ministro Sanseverino afirmou que:

...” Quanto a esse aspecto, o provedor recorrente sustentou que o IP seria dinâmico, ou seja, que não haveria um número único para cada usuário. Sustentou, também, que o armazenamento dos 'logs' dos usuários seria inviável (demasiadamente oneroso), em função do grande número de conexões que são continuamente realizadas. O Tribunal de origem superou essas questões técnicas sob o fundamento de que o armazenamento de tais dados seria "providência inerente ao risco do próprio negócio desenvolvido pelo provedor" (fl. 658). Quanto a esse ponto, o recurso especial encontra óbice na Súmula 7/STJ. Cabe esclarecer, contudo, que o IP dinâmico é aquele não atribuído privativamente a um único dispositivo (IP fixo), mas compartilhado por diversos usuários do provedor de acesso. No IP dinâmico, o usuário recebe um número de IP diferente a cada conexão. Com essa medida, otimiza-se a utilização dos números de IP, pois o IP que ficaria ocioso é aproveitado por outro usuário. De todo modo, seja dinâmico, seja fixo, o número de IP é projetado para ser unívoco, de modo que, num dado momento, a cada IP corresponde um único dispositivo conectado à rede. De outra parte, quanto aos custos do armazenamento dos logs dos usuários, correto o entendimento do Tribunal no sentido de que se trata de "providência inerente ao risco do próprio negócio", devendo a empresa suportar esse custo. A alegação de impossibilidade fática, portanto, não obsta o pedido de identificação do usuário. (Grifou-se)

E ao esteio do seu entendimento, salientou que mesmo com a utilização do IP dinâmico, ao se determinar o local e a hora de acesso, é possível a identificação do usuário, e, que inclusive, naquela oportunidade mencionou-se um julgado em que foi permitida a identificação do usuário, in verbis:

...”PENAL. PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO ESPECIAL, ORDINÁRIO OU DE REVISÃO CRIMINAL. NÃO CABIMENTO. DIVULGAÇÃO DE PORNOGRAFIA INFANTIL. INTERCEPTAÇÃO TELEMÁTICA. INCOMPETÊNCIA DO JUIZ QUE DECRETOU A MEDIDA CAUTELAR. NÃO RECONHECIMENTO. 1. Ressalvada pessoal compreensão diversa, uniformizou o Superior Tribunal de Justiça ser inadequado o writ em substituição a recursos especial e ordinário, ou de revisão criminal, admitindo-se, de ofício, a concessão da ordem ante a constatação de ilegalidade flagrante, abuso de poder ou teratologia. 2. Nos termos de precedente da Excelsa Corte, Quando a interceptação telefônica constituir medida cautelar preventiva, ainda no curso das investigações criminais, a mesma norma de competência há de ser entendida e aplicada com temperamentos, para não resultar em absurdos patentes.(HC 81260, Relator(a): Min. SEPÚLVEDA PERTENCE, Tribunal Pleno, julgado em 14/11/2001, DJ 19-04-2002 PP-00048 EMENT VOL-02065-03 PP-00570). 3. Na espécie, a operação deflagrada pela Polícia Federal visava identificar, em todo o território nacional, os indivíduos que estavam publicando material pedófilo na internet, motivo pelo qual entendeu-se que o Juízo da Capital Federal era o competente para a quebra do sigilo telemático. Em decorrência da referida medida foram descobertos os dados cadastrais dos usuários dos IP's investigados e a partir de então é que foram instaurados inquéritos policiais e as consequentes ações penais nos respectivos Estados. 4. Habeas corpus não conhecido.”... (HC 263.311/SP, Rel. Ministro NEFI CORDEIRO, SEXTA TURMA, julgado em 16/06/2016, DJe 28/06/2016)

Fulminando assim, as pretensões da companhia de telefônica de se eximir da responsabilidade e do dever de armazenamento de dados, mesmo porque, o armazenamento ainda que se revele em um custo e nem se alegue elevado, pertence ao negócio e aos riscos a ele inerentes, e, cumpre a empresa arcar com esse ônus.

Em sede de conclusão, da analise ainda que sucinta do voto da ministra Nancy Andrighi, tenho que o dever do provedor de acesso à internet de armazenar os dados, já encontrava previsão legal, antes mesmo do início de vigência do Marco Civil da Internet. Da mesma forma que tecnicamente, o fato de ser o protocolo de internet dinâmico, ou seja, aquele em que o usuário recebe um número diferente a cada conexão, não pode ser considerado uma forma de exclusão de responsabilidade para o armazenamento dos dados, notadamente pelo fato de que o número de IP (seja dinâmico, seja físico), é projetado para ser unívoco, na medida em que, em determinado momento, cada IP corresponderá em um único dispositivo conectado à rede, permitindo-se por via de consequência, identificar o dispositivo ao qual se encontra conectado e naturalmente o seu usuário, cujos dados deverão estar armazenados junto aos registros do prestador de serviços de conexão.

Portanto, no meu sentir, devem os provedores de acesso à internet, preservar os dados de seus usuários e se for o caso, fornecer os dados decorrentes de conexões aos usuários que por ventura sejam vitimas de atos fraudulentos com o caso que foi levado ao Tribunal da Cidadania, e, que a ilustre ministra Nancy Andrighi, com pertinácia exarou entendimento no sentido de que os dados devem ser armazenados e, particularmente, vou mais além, deverão ser fornecidos aos seus usuários em casos que possam evidenciar a ocorrência de crimes. Esse é o meu ponto de vista.

Gilberto Marques Bruno
Advogado e Professor
Sócio fundador de Marques Bruno Advogados Associados
(OAB/SP n.: 6.707)

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